segunda-feira, 31 de julho de 2017

Foi a primeira noite de verão

No outro dia ele contou-me um segredo. Andava eu pelas ruas, até chegar aquela onde sempre morei, bem perto do restaurante onde fomos, por sinal, quando nem me apercebi porquê, mas beijou-me o rosto. Não percebi bem o que era aquilo, tinha 15 anos e o único rapaz que algum dia me beijou o rosto havia sido o meu pai quando fiz doze anos e me disse que agora já era uma mulherzinha crescida, que tinha de ajudar a mãe em casa e que este ano o meu presente seria um curso de costura com a irmã Maria Antónia que vivia na igreja, agora que o padre era muito velhinho e mal aguentava fazer a homilia. Ela fazia-lhe o caldo de cenoura e a estupeta  quente.
No sul fazia sempre calor, mesmo que fosse só interio as paredes brancas com riscas azuis transmitiam sempre o doce pensamento de verão ou da chegada dele. Tal como aquele que me beijou o rosto. Talvez não fizesse assim tanto calor, mas ainda bem que o sol já estava a pôr-se, assim não pode ver a minha face corar.
Ele tinha chegado de carro branco, não tinha ar condicionado, mas quando fizesse dezoito os pais haviam-lhe prometido uma mota. Mesmo que o restaurante fosse muito perto da rua onde moro decidiu mostrar-me a sua independência, o seu gosto musical. Algures entre a música clássica e o rock pareceu-me ser um rapaz culto, inquieta nos gostos, mas isso a mim acalmava-me. Sempre gostei de aprender sobre os mais diversos temas, afinal "todos somos incultos, apenas em assuntos diferentes".
Naquela noite tudo havia sido diferente. O rosto dele, ainda de menino, era suave e cheirava tão bem. Não eram rosas, mas flores também nunca foi algo que gostei de receber. Nem isso, nem peluches grandes que ficavam no quarto e que as amigas quando o viam se derretiam de amores e dizem quem lhes dera ter a sorte que eu tinha.
A verdade é que sabia que dali a uns meses a mota chegaria, assim como os tempos de faculdade. As famosas histórias de amor à janela impediram-me de aceitar aquele convite para jantar meses mais cedo. Ele continuou a insistir e eu não sei o que era, mas o que quer que fosse fez-me mudar três vezes de vestido e pedir à minha mãe que me amarrasse o cabelo numa trança longa.
O vestido era branco, queria que combinasse com a pele morena e os olhos claros que tinha. Talvez ele reparasse nisso. Talvez fora isso que captara a sua atenção. Uns olhos diferentes dos deles, mas a brilhar uns pelos outros.
Ainda nem tinha chegado a casa, mas já iamos de mão dada e eu sabia o cheiro dele de cor. Era o nosso primeiro encontro, foi a primeira noite de verão.

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