terça-feira, 1 de agosto de 2017

Foi o nosso segundo dia de verão

Decidiu convidar-me de novo. Enviou-me uma carta com poema de Pablo Neruda. Ali no sul eram mais as ondas espanholas do que as portuguesas que se captavam na rádio. Dali nascera a nossa paixão pelo idioma e pela paixão que ela carregava na fonética dos seus ditongos e conjungar de vogais com consonantes.
Na pastelaria da minha mãe muitos passava para comprar os D.Rodrigo. Nunca percebi muito bem o encanto daquele embrulho de cores vivas e brilhantes, mas até agora todos carregam consigo um doce, uma lembrança e um "mi niño se encanta con sus dulces!".
Nesse mesmo dia procurei ir de calções pelo joelho. Estava na moda e tinha uma nova camisola cor-de-rosa com flores amarelas que me parecia perfeita para estrear naquele dia ao fim da tarde. Foi o segundo encontro e desta vez fomos passear à beira mar.
"Das águas mansas suspirando amor!" era o que estava escrito na estatua daquela mulher ao fundo da rua do local onde a minha mãe trabalhava, mesmo ao pé de dois bancos que pareciam estar ali a esperar por nós até que aquele dia chegasse. Interiormente nada em mim era manso, tudo estava inquieto. Estaria assim também a alma dele? Rezei na noite anterior para que o segundo dia fosse tão belo como primeiro. Desejava de novo um beijo dele no meu rosto, mas desta vez fui eu quem decidi deixá-lo a sorrir de tolice.
Beijei-lhe o rosto suavemente e como no pensamento de princesa pedi-lhe que me contasse uma história. Contou-me uma história sobre o sal. Uma princesa que um dia respondeu a seu pai que o amava tanto quanto o sal, tal como ele gostava de mim. Eu no momento não entendi e deixei-me ficar perdida pelos pensamentos. Por momentos achei que era tudo um engano que não era mais do que uma mera amiga de passeios ao fim da tarde, que nada mais dali viria e que andar de mota só quando pudesse juntar a mesada e tirar, também eu, a carta de condução.
Ele olhou os meus olhos e continuou a história. A princesa fui expulsa do castelo pelo seu pai. Tal como eu, ele, o rei, também não entendeu aquela medida de amor. Porque não dizer que me amava tanto quanto o número de casas do sul do nosso país, ou tanto quanto o número de graus de areia que existiam na praia ao fundo da rua onde ele morava?
Prosseguiu a história e por entre sorrisos rasgados contou-me que um dia a princesa, por anuncio do mensageiro real, candidatou-se ao lugar de cozinheira principal no castelo como uma mera escrava da nobreza. Foi aceite naquele que viria a ser o seu primeiro emprgo e depois de muitos dias a receber grandes elogios de seu pai, que desconhecia o seu paradeiro, decidiu cometer um erro.
O rei aborrecido mandou chamar a cozinheira. Mal olhou para os olhos dela reconheceu o porque de ela, sua filha, o amar daquela maneira. Tal como ele dizia amar-me o rei compreendeu que o sal era o tempero mais importante em qualquer refeição. "Nem demais, nem de menos,/ Nem tao longe, nem tão perto,/ Na medida mais precisa em que eu souber".
Assim foi, ora numa carta, ora debitado pelos seus lábios, declamou-me poesia naquele que foi o nossa segundo dia de verão.