quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

(Ainda) não me encantas!

Esta noite, no sossego de uma casa onde moramos quatro, onde partilhamos a cozinha e a sala, onde com os nossos vizinhos partilhamos a estrutura de um edfício antigo, que tem dias em que parece estar vazio, hoje, sou mesmo eu quem se sente envolvida por essa inexistência de som.
De manhã a porta bate. Ouve-se o barulho das escandas numa subida pesada e cansada, quase tão barulhenta que mesmo que não soubessemos medir o tempo, saberíamos que era o passo de quem regressa, ou numa descida rápida e sem qualquer cuidado no bater da porta da saída. Bem, pelo menos, todos cumprimos o que nos pedem "por favor mantenha a porta fechada!"
PUM! Está mesmo bem fechada. Nem o carteiro, que todos os dias por aqui passa e ao qual, durante esta semana, todos os dias tenho aberto a porta, parece ter cuidado no segurar gentil da porta de saída de mais um prédio.
"Sim?"
"É o carteiro!"
"Ah! Claro!"
Mais uma fatura da luz para a vizinha da frente ou do gás para a senhora do terceiro andar que todas as manhãs recebe o seu neto ainda muito pequenino, que apesar de choramingão e já com saudades da mamã, passa o dia a brincar com os avós.
No tempo deles o carteiro entregava cartas de amor. O carteiro entregava letras. Agora, tudo o que parecemos encontrar na caixa do correio são números onde gostavas de andar com a vírgula mais uma casa para a direita.

Às vezes, o senhor carteiro, ainda entrega postais, alguns até na minha porta quando o meu trevo de quatro folhas decide dar mais uma voltinha pelo mundo.
Ai tão bom que era! Poder agora ir dar uma volta pelo mundo, mas a capital não me deixa (ainda).

Agitada, inquieta e cheia de trabalho é assim que se sente a entrada e saída do metro. Os autocarros, neste tempo chuvoso e frio, vão cheios entre todas as paragens. À chegada ao Hospital de Santa Maria, última paragem do circuito que apanho todos os dias, vão novos e velhos, estudantes e profissionais em atividade desde a hora mais madrugadora, à mais longínqua na noite. Crianças vão poucas para aquela zona e ainda bem. Deixemos, por agora, que elas fiquem com as preocupações da "Maria que teve Satisfaz menos no teste de História e Geografia de Portugal" ou do facto de "este fim-de-semana ter uma festa de aniversário no honoratos!".

Nós estudantes, que aqui em Lisboa, pouco se identificam com a saudade do traje negro, vivemos no desejo que o dia 21 de dezembro chegue finalmente. Pelos menos os que estudam na mesma universidade que eu, certamente.
Depois de um semestre exaustivo, em que pouco ou nada conheci de Lisboa, acredito que, pelo menos, me tornarei numa profissional persuasiva e resiliente.
Obrigada por isso Lisboa! Obrigada por me tirares do meu conforto no conhecimento profissional e até pessoal. (Prometo que vou aprender a fazer sopa sozinha, mas, por agora, vou ainda carregar aos domingos no alfa os miminhos da mamã).

Esta cidade, que muitos engana, enche-nos de trabalho. A todos os que ao domingo chegam no intercidades e do alfa das dez da noite, aos que cá tiveram de passar o fim de semana e aos que só desejam que chegue o natal para que finalmente possam receber e retribuir os abraços bem apertados da mãe e do amigo colorido que há alguns meses carecem de encontrar.
Esta cidade, onde tudo corre e onde tudo procura chegar a horas somos muitos os que acompanham essa velocidade sem saber bem o porquê. Porque corremos? Porque queremos chegar primeiro ao lugar sentado? Porque não podemos esperar pelo próximo quando já sabemos que saímos de casa com mais do que tempo de antecedência?
PUM! Agora fui eu que fechei a porta. Está na hora de mais um exame. Hoje corro porque não posso falhar! Não posso falhar na hora, nem nos exercícios, nem no agradecimento aos meus pais pelo privilégio de estudar fora de casa. Baterão, todos os meus vizinhos, com a porta de entrada, porque também não podem falhar?
"Não tem problema, pode entrar, senhor carteiro!"
"Obrigada! Prometo que hoje também não deixo bater a porta!"
A ti Lisboa? Agradeço-te também por este pum pum, por este corre corre que me enche o coração de recompensas e de exercícios de finanças.
Hoje agradeço-te a ti. A ti cidade que (ainda) naõ me encanta.

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